Numa terra muito distante, havia um rei bondoso e
sábio, que tinha uma linda filha, chamada Lúcia e onze filhos, todos belos e
inteligentes. O soberano, que já estava velho e cansado, amava ternamente sua
esposa e seus filhos.
Infelizmente, a rainha
morreu, e o rei, sentindo-se triste e solitário, resolveu casar-se com a viúva
de seu primo, que tinha sido o soberano de um país vizinho.
A felicidade, que até
então reinava no palácio, desapareceu. A nova rainha, que era uma feiticeira
perversa, conseguiu dominar o velho rei. A primeira coisa que ela fez foi
afastar Lúcia do palácio, mandando-a para a casa de uns lenhadores, que moravam
numa floresta longínqua.
Quanto aos onze
príncipes, tantas mentiras a bruxa disse a seu respeito, que o rei acabou não
querendo mais vê-los. Então, a feiticeira resolveu encantar os meninos. Depois
de fazer uma porção de gestos mágicos, disse para os príncipes:
Voai, ligeiros, longe de nós, transformai-vos em aves, aves sem voz!
Os rapazes
transformaram-se em cisnes brancos e saíram voando pelo céu afora. Eles deviam
seguir para um lugar determinado pela bruxa. Durante a viagem, procuraram
passar sobre a casinha da floresta, onde estava a irmãzinha. Mas já anoitecia.
Por isso, embora tivessem batido as asas com força, não conseguiram acordá-la.
Quando Lúcia completou
quinze anos, teve permissão para ir ao palácio. Assim que a rainha a viu, ficou
louca de inveja e de raiva. A menina era de uma beleza deslumbrante. A bruxa
quis transformá-la logo em cisne, e só não o fez porque o rei desejava vê-la.
Resolveu esperar uma ocasião mais oportuna para lhe fazer mal.
Lúcia costumava nadar no
lago que havia junto ao palácio. Um dia, antes de ela chegar ao lago, para lá
dirigiu-se a rainha, levando consigo três sapos horríveis.
Na margem do lago,
atirou o primeiro sapo para a água, dizendo: Quando Lúcia estiver a nadar, salta na cabeça dela, para a fazer tão
estúpida como tu!
Quando atirou o segundo
sapo, berrou: Salta no rosto de Lúcia,
para a fazer tão feia como tu!
E, quando atirou o
terceiro sapo, berrou: — Fica perto do
coração de Lúcia, para que se torne perversa e má!
Os sapos fizeram tudo o
que a rainha ordenou. Quando a menina saiu do lago, mais parecia um bicho que
um ser humano. Ao vê-la, o rei ficou horrorizado. E mandou que ela voltasse
para a floresta.
É bom lembrar que Lúcia
ficou muito feia, mas não se tornou má. O sapo não conseguiu modificar o seu
coração bondoso. Tendo sido desprezada pelo seu pai, a jovem resolveu sair à
procura dos seus queridos irmãos.
Viajou dias e dias,
atravessando montes, vales e cidades. Durante a viagem, encontrou, numa floresta, uma velha
faminta que lhe pediu um pedaço de pão. Lúcia deu-lhe pão, com prazer, e ainda
foi apanhar, no riacho, um pouco de água para matar a sede da velhinha.
Esta, que era Nossa
Senhora disfarçada, mandou que Lúcia comesse uma frutinha silvestre que crescia
à beira do ribeiro. A moça obedeceu e, no mesmo instante, desencantou-se,
voltando à sua beleza natural.
Lúcia continuou a
viagem. No meio do caminho, encontrou um velhinho a quem deu o seu último
pedaço de pão. Perguntou-lhe, então, se tinha visto onze príncipes tão belos
como o sol. O velho respondeu: — Que
coincidência! Não vi os onze príncipes. Mas vi onze cisnes belíssimos, cada
qual com uma coroa na cabeça!
E mostrou o lugar onde
vira as lindas aves. A princesa seguiu para lá, sentou-se e ficou à espera o
dia inteiro. Quando o sol começou a desaparecer no horizonte, a moça ouviu um
barulho de asas. Olhou para o céu e viu surgir onze cisnes voando
apressadamente. Pousaram na terra e esconderam-se sob uma moita. Lúcia
aproximou-se e ficou a vigiar.
Quando os últimos raios
do sol desapareceram, as penas dos onze cisnes caíram por terra e eles
transformaram-se em belos rapazes. Lúcia correu para eles, radiante de alegria.
Reconheceram logo a irmã e cobriram-na de beijos e abraços. Que contentamento!
Que felicidade!
A menina contou-lhes a
sua triste história e eles narraram como tinham sido encantados pela
cruel feiticeira. E o príncipe mais velho explicou: — Durante o dia, temos a forma de cisnes. Mas, logo que o sol
desaparece, voltamos a ser homens. E por isso, que temos sempre o cuidado de
chegar a terra firme antes que anoiteça, pois, se estivéssemos voando nos ares,
cairíamos de repente e morreríamos.
— Onde moram vocês? – Perguntou-lhes Lúcia.
— Num lugar muito distante daqui, além dos mares. A viagem para lá é
muito longa. Voamos dois dias sobre o oceano. No meio do caminho, só existe um
rochedo isolado entre as ondas. É tão pequeno que nele só há espaço para
ficarmos de pé, apertados uns contra outros. Quando o mar está agitado,
cobre-nos de espuma da cabeça aos pés. Contudo, damos graças a Deus por termos
aquele pequeno rochedo.
— Quantas vezes, por ano, podem vir até aqui? - Indagou a princesa.
— Somente uma vez. E só podemos demorar-nos onze dias. Chegámos há
dez dias. Por isso só temos um dia para ficar contigo.
A princesa e os irmãos
ficaram a conversar durante muito tempo. Depois, vencida pelo cansaço, a menina
adormeceu. Quando acordou, ouviu um forte bater de asas. Eram os irmãos que
tinham voltado à forma de cisnes e que deviam passar o dia a voar.
Quando a tarde caiu, os
cisnes voltaram e, assim que o sol desapareceu, retornaram à forma humana.
Então, o mais velho dos irmãos disse para Lúcia:
— Já que te encontrámos, não queremos perder-te. Vamos passar a noite
fazendo uma rede para podermos levar-te connosco.
E começaram logo a
trabalhar. Apanharam uma porção de ramos e folhas para construírem uma rede
resistente e macia. Pouco
antes de romper o dia, o trabalho estava terminado.
Lúcia sentou-se na rede
que foi elevada no ar pelo bico dos onze cisnes. Durante todo o dia, os
pássaros voaram sem parar. Já estavam exaustos de carregar a rede, mas não
desanimavam. A menina tremia só em pensar que poderia anoitecer, sem que
chegassem ao rochedo perdido no meio do oceano. Mas, finalmente, quando os
raios do sol começaram a desaparecer, a pequenina rocha surgiu no horizonte.
Quando a noite chegou
com o seu manto de estrelas, a menina e os onze cisnes pousaram no rochedo. Os
príncipes retomaram a forma humana. Tiveram de ficar estreitamente unidos para
não caírem no mar. Assim que o sol nasceu os rapazes tornaram-se, novamente,
cisnes e , com os bicos seguraram a rede, bateram as asas, e levaram pelos ares
a jovem princesa.
Após viajarem o dia
inteiro, chegaram, finalmente, ao seu destino. Os irmãos viviam num penhasco,
em frente ao mar, onde havia uma caverna, que era a sua morada. Dentro da
caverna, que era muito limpa, viam-se camas de musgo bem arrumadas. Lúcia ficou
ali com os irmãos que, nesse momento, acabaram de voltar à forma humana. Depois
de conversar longas horas com os príncipes, Lúcia resolveu descansar. Mas,
antes de dormir, rezou, pedindo a Nossa Senhora que lhe ensinasse, em sonhos,
uma maneira de quebrar o encanto dos seus irmãos.
Quando ela adormeceu,
Nossa Senhora apareceu-lhe no sonho e disse-lhe:
— Poderás quebrar o encanto dos teus irmãos. Mas, para isso, é preciso
muita fé e perseverança. Existe perto deste penhasco, bem como nos cemitérios,
uma urtiga que tem propriedades maravilhosas. Quando a apanhares, ficarás com
as mãos inchadas e empoladas. Deves colher grande quantidade dessa planta e,
com ela, tecerás onze túnicas. Quando estiverem prontas, atiras as túnicas de
urtigas sobre os teus irmãos e, então, o seu encanto ficará quebrado. Voltarão,
para sempre, à forma humana. Mas, para que tenhas êxito, é necessário que,
enquanto estiveres tecendo as túnicas, não digas uma só palavra. Durante esse
tempo, qualquer som que saia de tua boca ferirá como se fossem onze punhais cravados
no coração de teus irmãos.
Quando Lúcia acordou,
caiu de joelhos, agradecendo a Nossa Senhora o conselho que lhe dera. Depois,
saiu da caverna e deu início ao seu trabalho. Começou a arrancar as folhas de
urtiga que nasciam perto do penhasco. Quando o sol se pôs, voltaram os seus
irmãos e perguntaram-lhe o que estava fazendo. Nem uma palavra de resposta. Os
príncipes ficaram muito tristes, acreditando que a mudez da irmã era mais uma
feitiçaria da madrasta. Mas, quando viram as mãos feridas e o trabalho que ela
executava, sem parar, perceberam que fazia aquilo para quebrar o encanto deles.
O príncipe mais novo pôs-se a chorar, beijando as mãos da irmã. E onde caíam suas
lágrimas, desapareciam as bolhas e as feridas.
De repente, ouviu-se o
som de uma trompa de caça. Era o soberano daquele reino que caçava nas
proximidades da caverna. Ao ver Lúcia, ficou deslumbrado com a sua beleza. E resolveu levá-la para o
palácio real.
Lá chegando, a princesa
retirou-se para o rico aposento que lhe haviam oferecido. Havia trazido consigo
o molho de urtigas e, por isso, continuou a trabalhar, febrilmente, durante a
noite. Havia de libertar os seus irmãos!
Alguns dias depois, o
rei não pôde resistir à paixão que o
dominava e pediu a menina em casamento. Lúcia que estava enamorada do jovem
soberano aceitou o pedido, mas não pôde dizer uma palavra. Sabia
que, se o fizesse, causaria a morte dos seus onze irmãos.
Realizou-se o casamento
com grande pompa. O rei supunha que a sua linda esposa fosse muda e por isso
redobrava os seus carinhos para com a moça. Tinha pena da sua triste situação.
E Lúcia cada vez amava mais o rei e lamentava não lhe poder contar a sua triste
história.
A moça já tinha tecido
várias túnicas, quando lhe faltou as urtigas. Sabia que só podia encontrá-la no
cemitério e, numa noite de luar, para lá se dirigiu.
Mas houve alguém que a
viu sair do palácio e a seguiu. Era um fidalgo que odiava Lúcia, pois pretendia
ver a sua filha casada com o rei. Por isso, quando viu a menina entrar no
cemitério, foi avisar o rei, dizendo-lhe que a rainha talvez fosse uma
feiticeira. O soberano ficou muito triste e resolveu vigiar a esposa.
Dias depois, tendo
faltado, de novo, as urtigas, Lúcia tornou a ir ao cemitério. Mas desta vez,
foi seguida pelo rei e outras pessoas. Viram-na aproximar-se de um túmulo, onde
algumas aves de rapina estavam a devorar um cadáver. O rei não quis ver mais, julgando que a
sua esposa era na verdade uma bruxa repugnante.
Como não podia falar,
Lúcia não pôde defender-se e, por isso, foi condenada a morrer na fogueira.
Quando os onze príncipes souberam disso, já era véspera da morte da irmã.
Correram ao palácio para falar ao rei. Os guardas disseram que não podiam
acordar Sua Majestade. Os rapazes insistiram, suplicaram, ameaçaram e já se
dispunham a lutar com a guarda real, quando romperam os primeiros raios de sol.
Os príncipes desapareceram, e viu-se um bando de cisnes esvoaçando,
desesperadamente, por cima das torres do palácio.
Chegou a hora da
execução de Lúcia. A multidão enchia a praça principal da cidade. Daí a pouco,
surgiu a menina numa velha carroça. Estava pálida e abatida, mas os seus dedos
trabalhavam sem cessar. Já tinha, ao seu lado, dez túnicas prontas. Só faltava
uma!
O carrasco quis jogar
fora as túnicas, mas a moça olhou para ele com um ar tão suplicante que o homem
não pôde recusar-lhe o último favor. A multidão, porém, cobriu-a de injúrias e
avançou para despedaçar as túnicas.
Nesse momento, surgiram,
fazendo grande barulho, onze cisnes lindíssimos, que começaram a dar bicadas
terríveis nas pessoas que queriam atacar a carroça. Enquanto isso, a moça não
parava de trabalhar. Finalmente, ficou pronta a última túnica.
Na ocasião em que o
carrasco ia atirar Lúcia na fogueira, os onze cisnes aproximaram-se para se despedir da irmã. Ela
jogou, então, sobre eles as túnicas de urtiga. No mesmo instante, os cisnes transformaram-se
em onze príncipes de uma beleza deslumbrante. Estava quebrado e encanto!
— Agora já posso falar. Estou inocente! - Exclamou a moça. E
contou ao rei, que estava presente na praça, a sua triste história.
A pena de morte foi logo
revogada. O rei ficou louco de alegria e cobriu a esposa de beijos e abraços.
Houve muitas festas no reino. E a todas assistiram os onze príncipes, que passaram
a morar no palácio, junto da sua querida irmã.
Contos Maravilhosos –
Theobaldo Miranda Santos, Ed. Nacional